Cuiabá, com seus mais de três séculos de existência, é uma cidade marcada por contrastes: de povoações de bandeirantes, lendas misteriosas, cultura afro-indígena e tradições bastante peculiares. Abaixo, uma versão aprofundada das curiosidades, com fatos históricos fundamentais para entender a alma cuiabana.

1. O primeiro nome e a fundação ligada aos bandeirantes

– A cidade teve como primeiro nome oficial Arraial de Nossa Senhora da Penha de França, também chamada de Arraial da Forquilha.– A fundação oficial ocorreu em 8 de abril de 1719, por Pascoal Moreira Cabral, bandeirante paulista atraído pela corrida do ouro.– O nome “Cuiabá” vem do termo bororo ikuiapá, que significa “lugar da flecha-arpão”, arma indígena usada na pesca.

2. Touradas no Campo D’Ourique: espetáculo social e festivo

– No local que hoje é a Praça Moreira Cabral (antigo Campo D’Ourique), realizavam-se touradas durante as festas do Divino.– Os eventos eram grandiosos, com curro (arena), camarotes para a elite e tendas ao redor.– A tradição foi proibida em 1934, por decreto de Getúlio Vargas, durante a campanha de modernização nacional.

3. O falar cuiabano: um dialeto moldado pelo isolamento

– O isolamento geográfico ao longo dos séculos deu origem a um sotaque muito particular.– A presença dos sons “tch” e “dj” é marcante no falar tradicional:“dJuca, não detxa catchorro tchupa cadjú…”– O dialeto reflete a mistura entre influências indígenas, bandeirantes e migrantes posteriores.

4. Expressões típicas: “tchapa e cruz” e “pau rodado”

– “Tchapa e cruz”: designa cuiabanos nativos; surgiu da prática da Santa Casa de colocar uma chapa e um crucifixo nos recém-nascidos para evitar trocas.– “Pau rodado”: gíria para forasteiros, comparados a gravetos levados pelos rios sem rumo.– A rivalidade inspirou músicas como o “Rasqueado do Pau Rodado”.

5. Da música rasqueado ao rock cuiabano

– Antes do lambadão dos anos 1990, Cuiabá já tinha forte tradição no rasqueado.– Na década de 1960, surgiram bandas de rock como “Jacildo e seus Rapazes” e “Los Bambinos”, mostrando a diversidade musical da cidade.

6. Carnaval, escola de samba e uma ala surpreendente

– No final dos anos 1960, a escola de samba “Deixa Cair” chocou a cidade ao apresentar uma ala formada por prostitutas do cabaré Carminha.– A escola foi desclassificada, gerando protestos e marcando a memória cultural cuiabana.

7. Lenda do Minhocão do Pari

– Entre ribeirinhos, circulava a lenda de um monstro aquático gigante, o minhocão, com cerca de 20 metros, que assustava pescadores.– Outra lenda pouco citada é a “alavanca de ouro”, que supostamente afundava cada vez mais quando escravos tentavam desenterrá-la no Morro do Rosário.

8. Personagens folclóricos reais

– Figuras que existiram se tornaram personagens lendários: Peteté, Ezequiel e sua cachorrada, Zé Bolo Flô, Maria Louca, Jandira Louca, Maria Taquara, Jejé de Oyá.– Eram parte do cotidiano, temidos, queridos ou folclorizados.– A Mãe Preta (Ana Benedita das Neves), lavadeira e ama de leite, é hoje resgatada em projetos de memória negra.

9. As cruzes pretas: memória silenciosa da varíola

– Cruzamentos antigos de Cuiabá exibem cruzes pretas que despertam curiosidade.– A cruz do bairro Porto teria sido erguida em lembrança de vítimas da varíola que morreram no trajeto até um hospital.– Há ainda indícios de práticas religiosas afro nesses locais — símbolos, oferendas e rituais de ancestrais escravizados.

10. Patrimônios esquecidos e construções históricas

– Fábrica de Pólvora de Cuiabá, no Coxipó do Ouro, abastecia o Arsenal de Guerra.– Fonte do Mundéu (1871): obra neoclássica que fornecia água potável à cidade.– Centro Geodésico da América do Sul: marcado com obelisco no antigo Campo D’Ourique.

Reflexões finais

Cuiabá não é apenas a “porta para o Pantanal”. Seu passado reúne tradições festivas, linguajar único, lendas ribeirinhas, marcas afro-brasileiras, tensões sociais, personagens lendários e patrimônio arquitetônico que merece ser preservado.