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História de Vila Bela da Santíssima Trindade: Origem, Evolução e Curiosidades da Primeira Capital de Mato Grosso

  • Foto do escritor: Oeste MT Urgente
    Oeste MT Urgente
  • 14 de nov.
  • 5 min de leitura
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Vila Bela da Santíssima Trindade, localizada no extremo oeste de Mato Grosso, é mais do que um município histórico: é um laboratório vivo da política, da urbanização e da disputa territorial entre Portugal e Espanha no século XVIII. Sua criação não foi espontânea. Ela nasceu como um projeto político, um símbolo de poder e uma experiência urbana planejada, construída para representar a força da Coroa Portuguesa no coração da América do Sul.

A cidade fascina pesquisadores há décadas justamente porque expressa, de forma rara, a interseção entre espaço urbano, política colonial, cultura e sociedade. Cada rua, cada praça, cada ruína conta um capítulo da história do Brasil Colônia.

A Cidade como Obra Social: O Conceito por Trás de Vila Bela

Pesquisadores como Maria Stella Bresciani defendem que a cidade não é apenas um conjunto de casas ou ruas, mas sim uma experiência visual e social. Uma cidade nasce da dinâmica humana — do trabalho, do comércio, das relações sociais, das práticas culturais e da ação do poder público.

Nesse contexto, Vila Bela representa um modelo claro de como a Coroa Portuguesa buscava materializar sua presença no território. Enquanto espaços urbanos espanhóis foram todos planejados desde o início, Portugal demorou a adotar esse padrão. Mas no século XVIII, influenciado pelo Renascimento e, especialmente, pelo Iluminismo, passou a desenhar cidades com ruas retas, praças centrais, quarteirões organizados e edifícios públicos imponentes.

Foi exatamente essa visão que moldou Vila Bela.

O Contexto Político: A Disputa Entre Portugal e Espanha

Quando foi fundada, o Brasil ainda vivia sob a sombra do Tratado de Tordesilhas. Oficialmente, toda a região do atual Mato Grosso pertenceria à Espanha. Na prática, Portugal ocupava o território por meio da mineração, da abertura de estradas e da fundação de vilas.

Vila Bela da Santíssima Trindade surge exatamente nesse ponto de tensão. Ela foi criada para:

  • fixar presença política portuguesa na fronteira,

  • marcar o território em relação à Espanha,

  • organizar a administração colonial na região,

  • consolidar a Capitania de Mato Grosso e Cuiabá.

Era, literalmente, um marco político num dos pontos mais estratégicos do Brasil Colônia.

Rolim de Moura e o Plano Urbano da Nova Capital

O responsável por erguer Vila Bela foi Dom Antônio Rolim de Moura, primeiro governador e capitão-general da Capitania de Mato Grosso (1748–1765). Ele escolheu o local porque:

  • tinha clima mais saudável do que os antigos arraiais mineradores;

  • possuía campos, florestas e boa água;

  • estava próximo ao Rio Guaporé, facilitando comunicação e defesa;

  • oferecia condições para agricultura e criação.

A cidade foi desenhada como um modelo urbano ideal:uma praça central, ruas geométricas, edifícios públicos em posições estratégicas e um ordenamento rígido baseado em posturas municipais.

Essa organização urbana simbolizava o poder português e seguia os padrões arquitetônicos do século XVIII, influenciados pelo Iluminismo e pelo pensamento urbanístico da Era Pombalina.

A Fundação e os Incentivos da Coroa

Vila Bela foi oficialmente fundada em 19 de março de 1752 e recebeu incentivos reais generosos para atrair população. Entre eles:

  • isenção de diversos impostos por 12 anos;

  • perdão de dívidas anteriores por três anos;

  • isenção de cobrança de dízimos;

  • facilidades para entrada de bens e mercadorias.

O objetivo era claro:encher a nova capital de moradores e garantir o domínio sobre o extremo oeste.

Seu primeiro marco foi simbólico: um tronco de piúva servindo de pelourinho, fincado na futura praça central.

A Vila-Capital como Representação do Poder Português

No século XVIII, vilas e cidades eram consideradas, por historiadores como Maria Fernanda Bicalho, palcos do poder metropolitano, locais onde:

  • a administração portuguesa atuava diretamente;

  • leis e costumes europeus eram implantados;

  • a arquitetura representava autoridade.

Vila Bela, nesse sentido, era o símbolo máximo da presença lusa na fronteira. Um antemural do Império Português na América.

O Governo de Luís de Albuquerque e os Primeiros Problemas

Em 1772 chegou o novo capitão-general, Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, um dos governantes mais influentes da história de Mato Grosso. Ele encontrou uma cidade:

  • estrategicamente bem posicionada,

  • porém insalubre,

  • vulnerável às cheias do Rio Guaporé,

  • com carência de segurança,

  • e estrutura militar fragilizada.

As enchentes constantes transformavam a cidade numa área pantanosa, insalubre e propensa a epidemias. Documentos da época apontam surtos de:

  • sarampo,

  • disenteria,

  • gripes violentas,

  • doenças respiratórias,

  • mortandade de animais e até aves.

Luís de Albuquerque tentou reorganizar o perímetro urbano, orientando novas construções mais afastadas das margens do rio.

A Sociedade Vilabelense: Uma População Mestiça e Trabalhadora

Em 1772, Vila Bela e seus arredores contavam com cerca de 4.200 habitantes, dos quais:

  • 2/3 eram negros, indígenas e mulatos,

  • e apenas 1/3 eram brancos.

A força de trabalho principal era formada por:

  • pedreiros,

  • barbeiros,

  • ambulantes,

  • agricultores,

  • trabalhadores domésticos,

  • carregadores,

  • militares eventuais.

A elite branca ocupava cargos administrativos e o comércio.

Apesar da escassez de sacerdotes, a Igreja controlava rigorosamente:

  • horários de tavernas e comércios,

  • festas religiosas,

  • práticas sociais e morais.

Estrutura Urbana: A Coração da Capital

A praça central reunia os edifícios mais importantes:

  • Matriz da Santíssima Trindade,

  • Casa da Câmara,

  • Cadeia,

  • Casa de Fundição,

  • Real Fazenda.

Nos arredores existiam capelas em arraiais ligados à mineração.

As Dificuldades do Cotidiano na Primeira Capital

A cidade enfrentava problemas estruturais graves:

  • abastecimento dependente de longas rotas comerciais;

  • preços abusivos praticados por vendilhões;

  • insegurança por escassez de tropas;

  • população masculina flutuante devido a dívidas ou atividades comerciais.

Além disso, a localização privilegiada para defesa era péssima para salubridade:as enchentes constantes tornavam a cidade doentia e afastavam moradores.

A Queda da Capital

A combinação de:

  • epidemias,

  • enchentes,

  • abandono de moradores,

  • dificuldades administrativas,

  • e isolamento geográfico

levou ao declínio gradual de Vila Bela. Em 1820, a capital foi transferida para Cuiabá, onde havia maior estabilidade econômica e sanitária.

Mesmo assim, Vila Bela permaneceu como símbolo da história luso-brasileira e da resistência cultural afro-mato-grossense.

10 Curiosidades sobre Vila Bela da Santíssima Trindade

  1. Foi a primeira capital de Mato Grosso, antes mesmo de Cuiabá assumir o posto.

  2. A cidade nasceu como um projeto político militar, não de forma espontânea.

  3. O primeiro símbolo urbano foi um tronco de piúva transformado em pelourinho.

  4. Dois terços da população colonial era negra, indígena ou mulata, tornando-a um dos maiores redutos afrodescendentes da região.

  5. A posição estratégica próxima ao Guaporé beneficiava a defesa, mas causava doenças e enchentes frequentes.

  6. A Coroa ofereceu 12 anos de isenção de impostos para atrair moradores.

  7. O Iluminismo influenciou diretamente o traçado geométrico da cidade.

  8. Vila Bela foi uma das primeiras cidades planejadas de Mato Grosso sob régua e compasso.

  9. Moedas, produtos e até alimentos eram superfaturados, exigindo leis rígidas de controle.

  10. A cidade ainda preserva forte presença da cultura afro-brasileira, principalmente na Dança do Congo.


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